12.7.16

Amadeo: mais fases do que a lua




Este é um dos trabalhos do último período de Amadeo, Zinc (1917), presente na exposição do Grand Palais. Uma exposição mais do que merecida, sem dúvida, depois de nos anos 1910 ter feito de Paris o seu quartel-general (como Mário de Sá-Carneiro, Santa-Rita) - com algumas idas a Manhufe, por onde fica durante a guerra mundial de 1914-1918, morrendo precisamente em 1918, vítima da pneumónica. E, além disso, uma exposição bem montada, apesar de lhe faltarem contextos (há apenas dois: um Modigliani e um Brancusi, o que é manifestamente pouco se se comparar, por exemplo, com as actuais exposições de Rousseau no Orsay ou de Klee no Pompidou). Adiante.

Qual a matriz ou as matrizes da obra pictórica de Amadeo? Ele próprio diz que é impressionista, cubista, futurista, abstraccionista. O que até é verdade - uma meia verdade. Mais tarde, será marcadamente expressionista. Mas, também ele próprio diz que tem mais fases do que a lua. E talvez esta afirmação contextualize uma obra pictórica feita de rupturas. Por outras palavras: não há um fio condutor na obra pictórica de Amadeo. Esta vive de explosões. E Amadeo tem, de facto, mais fases do que a lua.

Acerca dos XX desenhos, uma ideia notável de marketing, e das ilustrações para A lenda de São Julião o hospitaleiro, de Flaubert, falou-se da influência da tapeçaria e das estampas persas - como se podia falar da influência do simbolismo, da Art nouveau. É verdade. Como é verdade que estes trabalhos vivem de dois pólos: o alto, representado pelo falcão, e o baixo, representado por coelhos que mais parecem peixes - como se a obra pictórica de Amadeo fosse uma cosmogonia. Depois, há o castelo - donde partem cavalos, galgos, cavaleiros, damas. Eis um neo-medievalismo. Eis Manhufe a falar. Como nalgumas paisagens. Como nalgumas máscaras.

Mas, há outras marcas evidentes na obra de Amadeo. Para além de Modigliani e Brancusi, Rousseau, os discos órficos de Delaunay. E, mais tarde, no período da guerra, uma mecanomorfismo aparentado com Léger. E, sempre, a pintura dos primitivos (séculos XIV, XV).

Cosmopolita e terra-tenente, Amadeo faz sínteses. Uma delas é precisamente esta. As outras são visíveis na sua obra pictórica. Ora cromaticamente exaltante. Ora cromaticamente trágica. Ora Meio-Dia, excessivamente solar. Ora Meia-Noite, excessivamente lunar. Como em Hölderlin e Nietzsche, onde Meio-Dia e Meia-Noite significam o a-vir - a ruptura com o niilismo decadentista de finais de oitocentos.